O Legado Esquecido de Luis Gálvez, o Europeu “Imperador do Acre”

Por Hailton Aiala, 25 de Outubro

Em meio à epopeia da borracha e à “Questão do Acre”, surge a figura de Luis Gálvez Rodríguez de Arias, um personagem histórico que, apesar de sua ousadia, permanece ofuscado nos grandes livros de história nacional. Jornalista, diplomata espanhol e, acima de tudo, um aventureiro, Gálvez foi o artífice do efêmero Estado Independente do Acre, um país que durou menos de um ano, mas cuja bandeira e espírito se mantêm vivos na memória acriana.

O Estado Independente em Meio à Selva

A saga de Gálvez começa no final do século XIX, quando ele chega à Amazônia em busca do lendário “El Dorado”. Em 1899, o território do Acre pertencia legalmente à Bolívia, mas era habitado majoritariamente por seringueiros brasileiros, em sua maioria nordestinos. O governo do Amazonas, visando anexar a rica região produtora de látex, financiou secretamente a expedição de Gálvez.

No dia 14 de julho de 1899, uma data escolhida simbolicamente em referência à Queda da Bastilha, Gálvez proclama a independência em Puerto Alonso (atual Porto Acre), rebatizando o local como Cidade do Acre.

“Se a pátria não nos quer, criamos outra.”Luis Gálvez, frase atribuída na proclamação da República do Acre.

Em seu breve governo, Gálvez agiu com a pompa de um verdadeiro chefe de Estado:

  • Estrutura Governamental: Criou ministérios, escolas, hospitais e até um Corpo de Bombeiros.
  • Símbolos Nacionais: Estabeleceu o português como idioma oficial e desenhou a bandeira que, com suas cores verde, amarelo e a estrela vermelha solitária, é precursora da atual bandeira do estado.
  • Moeda Própria: Adotou o Real (ou réis) como moeda oficial.

 

Diplomacia e Destituição: O Fim da República

A audaciosa República de Gálvez não resistiu por muito tempo. Em março de 1900, o governo brasileiro, respeitando o Tratado de Ayacucho de 1867 que reconhecia a soberania boliviana sobre o Acre, enviou uma força-tarefa militar para prender Gálvez e devolver o território à Bolívia.

Gálvez foi destituído, preso e, posteriormente, deportado para a Espanha. Retornou ao Acre brevemente, em uma segunda tentativa de governo, mas foi rapidamente preso pelo governo do Amazonas e expulso do Brasil em definitivo.

Apesar da curta duração e do desfecho melancólico de seu projeto, a semente do nacionalismo plantada por Gálvez entre os seringueiros brasileiros foi crucial. Sua ação, embora fracassada, impulsionou a Terceira e bem-sucedida Revolução Acriana, liderada por Plácido de Castro, que culminaria na incorporação do Acre ao Brasil pelo Tratado de Petrópolis em 1903, articulado pelo Barão do Rio Branco.

Do Aventureiro à Ficção

O legado de Luis Gálvez sobrevive mais na cultura e no imaginário do que nos anais oficiais. O escritor amazonense Márcio Souza resgatou sua figura do esquecimento no aclamado romance histórico-farsesco de 1976, “Galvez, Imperador do Acre”, que satiriza a ambição e a desorganização da época do Ciclo da Borracha. A obra transformou o diplomata espanhol em um herói popular e complexo da Amazônia.

Hoje, estátuas e referências em Rio Branco, além de um clube de futebol (o Galvez Esporte Clube), mantêm viva a memória desse “imperador” que, movido por aventura e ambição, foi peça fundamental para a definição das fronteiras brasileiras, deixando um dos capítulos mais singulares e esquecidos da história do Acre e do Brasil.

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